terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A saga pelo São Mamede

Por Vinícius Berto
Sábado, 16 de fevereiro, o destino é São Mamede. O que uma pequena localidade no extremo norte de Porciúncula pode me reservar? A priori apenas a cobertura jornalística de mais uma importante obra entregue pela boa administração da Prefeitura: a revitalização e reforma da Unidade Básica de Saúde.
Antes, porém devo salientar que a curiosidade pelo São Mamede começou antes de visitar a simpática comunidade. Ainda nos preparativos para a viagem ao lugarejo, surgiu um questionamento sobre o significado de São Mamede. Seria um santo de verdade? Seria alguém que colonizou a região com o nome de Mamede? Enfim, buscava uma resposta. Pesquisamos (eu e a jornalista Rosimere Ferreira) curiosos pela origem do nome dado ao arraial, e nada encontramos.
A resposta para o questionamento se tornou algo secundário que me acompanhou pelas curvas da estrada de Purilândia, sal debaixo da língua para evitar a queda de pressão, parada na terra dos Puris e segue a viagem. Longe de buscar a resposta e concentrado em meu ofício, praticamente apaguei das minhas pretensões a curiosidade outrora levantada. Cheguei, e logo aquela confusão estomacal deu lugar ao trabalho. Meu foco era a Unidade de Saúde, nada mais.
Foi aí que avistei um fotógrafo amador que capturava cenas da igreja católica local. Aquele homem voraz pelas imagens que eternizam o momento, o instante, e fazem aquecer a memória e despertar a saudade de um tempo que não se vive mais, me chamou atenção. Tratava-se do ilustre Gérsio Calzolari, um apaixonado por fotos e pela história da região, um colega que nos meus primeiros dias em solo porciunculense, mesmo sem o conhecer, como se precisasse passar algum ensinamento me perguntou:
─ Você sabe quem foi Alberto Calvet?
─ Nada além do nome da rua que escolhi para morar.
E ele continuou...
─ Alberto Calvet foi um dos prefeitos que Porciúncula deu a Itaperuna na primeira metade do século passado, quando essa terra ainda era distrito.
Bom, voltando à zona rural de Santa Clara, o Sr. Gérsio fez ressurgir o interesse pelo São Mamede. Já estando o trabalho adiantado e ajudado pelo fato de ter chegado cedo à comunidade, iniciei uma conversa informal com dona Alcione Maria Cristófore, funcionária da Unidade de Saúde e zeladora da igreja.
Ela relatou que o templo foi erguido em 2002 sob as bênçãos de São Mamede.
─ Mas São Mamede não existe! Vocês terão que arrumar outro padroeiro - disse o padre da época.
Ali iniciava a saga do povo da comunidade de São Mamede para encontrar vestígios da existência do Santo. Quase que em coro, os moradores, confiantes na existência de Mamede, não arredavam a idéia de ter o São Mamede como padroeiro.
Numa ocasião o padre deu o ultimato para que a comunidade decidisse qual seria o padroeiro. Nesse momento surgiu a fé de dona Alcione. Ela relatou um pedido feito:
─ São Mamede, se o senhor existe apareça de alguma forma, faça com que nós tenhamos informações sobre a sua história.
Segundo Dona Alcione, foi aí que o Sr. Ítalo Lira, homem atuante no catolicismo porciunculense, através das pesquisas incansáveis, descobriu a história do São Mamede.
Intriga-me, ainda, os motivos da dificuldade de encontrar registros de São Mamede no Brasil. Aliás, assim como em 2002, também tive muita dificuldade em achar registros de São Mamede. Obtive sucesso apenas em sites portugueses. País onde Mamede é mais difundido.
Ele nasceu na cidade de Cesareia, na Capadócia, na Turquia. Viveu nos fins do Séc. III. Sua cidade natal estava sob domínio do Império Romano, pela mão do Imperador Aureliano. Foi um autêntico mártir. Apesar de ser uma pessoa de posses, escolheu viver na pobreza. Assim, aos 15 anos quando foi obrigado a negar Cristo, fez um ato de fé com o Senhor. Sofreu, mas nunca desistiu da sua crença. Por ser devoto do Cristianismo foi perseguido e torturado. Seu corpo foi levado para a Diocese de Langres, na França.
Vale lembrar que, ainda segundo dona Alcione, a comunidade se chama São Mamede devido ao córrego de mesmo nome que banha a comunidade. Mas de onde surgiu este nome?
Agora ficam alguns questionamentos que podem ser respondidos a partir de pesquisas mais aprofundadas. Como, por exemplo: se as pessoas que colonizaram a região escolheram o nome do córrego baseado na história do santo, provavelmente deixaram, com o passar dos anos, que a devoção e a história de Mamede se fragmentasse entre os cafezais da região.
Sabemos que a colonização da região do terceiro distrito fora feita por europeus, sobretudo italianos. Seriam os italianos os responsáveis pela vinda(?) do Santo? Porém fica registrado que Portugal é o país onde o santo é mais difundido. São 12 paróquias que levam o seu nome. A hipótese mais remota é a de Mamede ser uma homenagem a alguém que colonizou a região.
As dificuldades em torno de São Mamede são tão gritantes que até a imagem é difícil, quase impossível de ser encontrada. Pois bem, não há a imagem de São Mamede na igreja. O jeito foi improvisar. Uma figura do santo foi ampliada e os fiéis fazem suas orações diante de um pôster com a imagem do Santo. Menos fé por isso? Claro que não, a saga daquele povo simpático e devoto de um Santo que, num passado recente, mal sabia que existia, me instigou e fascinou. São Mamede... voltarei outras vezes.
Leia mais sobre São Mamede em http://www.jf-perafita.pt/padroeiro.php
Colaborou Rosimere Ferreira